FLAIR COMPLIANCE E EDUCAÇÃO CORPORATIVA

Nova consciência de negócios lastreados pela ética e integridade.

Nenhuma empresa está livre da corrupção

Para Klaus Moosmayer, corporações devem denunciar ilícitos internos, mas precisam de segurança para fazê-lo

Em 2007, a vida do alemão Klaus Moosmayer mudou. Na época, ele foi nomeado como chefe operacional de compliance da multinacional Siemens, que estava envolvida no maior escândalo de corrupção corporativa da história.

Coube a Moosmayer e sua equipe criar um novo sistema de compliance para a corporação. Mais de dez anos depois, ele é hoje o chefe global de compliance da empresa e faz um balanço positivo da nova abordagem da companhia em casos de desvio de conduta.

Na visão do executivo, não há empresa livre de desvios de conduta. “Isso é besteira”, diz em inglês com um sotaque alemão. “Nunca direi que somos perfeitos e que não temos casos de corrupção. Mas admitimos que temos problemas e tomamos as medidas necessárias para resolvê-los”.

Moosmayer também pondera que o processo de recuperação depois de um escândalo de corrupção é longo e, para funcionar, precisa ser feito a partir da cúpula da empresa. “Não confie em empresas que, após seis meses de uma crise, alega ser uma nova companhia. Isso é totalmente impossível”, afirma.

Em sua avaliação, as empresas devem buscar denunciar os próprios desvios, conceito chamado de self-disclosure em inglês. Essa atitude é um “divisor de águas” pois nenhum governo tem capacidade de apurar todos os casos de corrupção. “Se as companhias forem incentivadas a fazer a coisa certa, outras empresas seguirão o modelo. Isso se torna uma cultura”, analisa.

Por isso, é importante que haja segurança jurídica em acordos feitos por companhias que decidiram denunciar condutas internas criminosas às autoridades.

A Siemens passou por uma situação assim no Brasil. Em 2013, a empresa procurou o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) para relatar que fazia parte de um cartel em obras do metrô de São Paulo.

Apesar de ter revelado o esquema, a empresa acabou se tornando o símbolo da corrupção no caso, reclama Moosmayer. “Para ser honesto, não tinha ideia que isso geraria tamanho clamor à opinião pública. Em outros lugares que fizemos ações similares, não foi tão mal recebido”, diz.

Desde 2013, Moosmayer é também conselheiro do BIAC, comitê que reúne empresas na Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Ao avaliar o cenário global, o executivo vê o Brasil com grande potencial de atrair investimentos por causa do combate à corrupção desde a sanção do pacote de leis anticorrupção e o início da operação Lava Jato.

“Qual o melhor investimento do que em um país que está levando a sério esse combate e tentando construir uma infraestrutura para evitar a corrupção?”, avalia.

Em passagem pelo Rio de Janeiro, Moosmayer concedeu a entrevista abaixo ao JOTA.

Em 2013, o senhor deu uma entrevista afirmando estar bastante ansioso pelos resultados da lei anticorrupção brasileira. Como avalia os quatro anos da lei?

Do ponto de vista legislativo, e para um estrangeiro como eu, é um ótimo progresso. A Lei 12.846/2013, por exemplo, é um grande pilar. O problema – e sempre é assim em programas de compliance – é a implementação e a execução. Uma coisa importante é que é preciso ter segurança jurídica. É preciso uma salvaguarda. Se houver uma chance de uma empresa fazer um acordo, tem de ser um acordo definitivo. Se tudo for mudado, não há futuro. Por isso, olhamos com bastante preocupação o caso da SBM Offshore, no qual houve acordo e, depois, mudaram os termos. Há um grande avanço do ponto de vista legal, mas encontrar a pessoa adequada para tratar desses assunto é difícil.

O senhor fala bastante sobre a importância de uma companhia denunciar ilícitos cometidos internamente por seus próprios funcionários (self-disclosure). Por que isso é tão importante?

Ela é um divisor de águas. Nenhuma autoridade ou governo tem os recursos e as possibilidades para sistematicamente detectar a corrupção. A corrupção é um crime oculto. Por isso, é preciso colaboradores e denunciantes, pessoas que revelem os fatos dentro e fora de sua companhia. Se as empresas forem incentivadas a fazer a coisa certa, outras corporações seguirão o modelo. Isso se torna uma cultura. Se houver punição para quem faz self-disclosure, ninguém mais se apresentará.

Pode ser algo similar à cultura dos programas de recall, que eram rejeitados inicialmente e hoje são naturais para as empresas?

Sim. Não me leve a mal, mas se há desvio de conduta individual obviamente deve haver consequências. Não estou dizendo que todos devem ficar livres e impunes. Mas para uma corporação como a Siemens, que tem praticamente 400 mil funcionários no mundo, quase uma grande cidade, sempre teremos desvios de conduta. Somos parte da sociedade, mas queremos lutar contra isso. Queremos que os investigadores estejam abertos se nós, como empresa, os procurarmos e dissermos que, infelizmente, detectamos internamente um problema e queremos resolvê-lo.

Eles podem punir, mas devem deixar a companhia sobreviver, não multá-la de uma forma que possa fechá-la. Além disso, há a questão da reputação. A imprensa é muito importante. Por exemplo, se dissermos que há um problema e a imprensa afirmar que somos uma má companhia, isso é péssimo. A imprensa deveria achar bom que uma empresa encontrou um problema, revelou-o às autoridades e está se responsabilizando. É uma coisa boa.

Nesse ponto, a Siemens revelou ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) um esquema de corrupção em que estava envolvida no Brasil, nas obras do metrô de São Paulo. O que a empresa aprendeu com isso?

Para ser honesto, quando decidimos cooperar completamente — e não posso contar os detalhes porque a investigação ainda está acontecendo –, subestimamos este caso. Tomamos a decisão de seguir em frente. Para ser honesto, não tinha ideia que isso geraria tamanho clamor na opinião pública.

Por meses, a Siemens esteve nas capas de jornais. Em outros lugares que fizemos ações similares, a atitude não foi recebida de maneira tão ruim. Então, toda a raiva contra as empresas se concentrou na Siemens. Porque havia um rosto, um inimigo. Depois, principalmente pelo bom trabalho do Reynaldo Goto, diretor de compliance da Siemens no Brasil, a situação mudou com o passar dos anos.

As pessoas começaram a entender que a Siemens iniciou um processo, que outras companhias também estão fazendo. Os membros do CADE foram positivos sobre isso. Além disso, hoje estamos bem melhor com a opinião pública do que estávamos em 2013 ou 2014.

A Siemens tem mais de 150 anos de existência, é uma gigante mundial. Mas outras companhias não têm esse porte. Elas podem pensar que o custo-benefício de revelar irregularidades não as beneficiaria. Como agir numa situação assim?

Essa análise é correta. Se você é dono de uma empresa familiar e seu próprio nome está no meio do escândalo, é uma decisão muito difícil de se tomar. Por isso, o self-disclosure somente funcionará em uma escala mais ampla: se houver, primeiramente, regulações legais mais claras sobre como fazê-la. Precisa ser sustentável.

Ou seja, se alguém fizer uma revelação é preciso saber mais ou menos qual é o resultado disso. Uma empresa precisa de um tipo de estrutura de compliance que deve funcionar no dia a dia. Esse é o problema em muitas jurisdições. Também é necessário ter investigadores e juízes com boa educação e habilidades para lidar com o assunto. Não se trata de apontar dedos apenas. O que juízes e promotores sabem sobre companhias? Seu conhecimento é limitado. É também um processo educacional.

Como assim?

Se falamos sobre corrupção, não é tão simples quanto no passado em que se pagava uma autoridade pública com dinheiro. Hoje, é um jogo muito sofisticado. Enquanto isso, há empresas de fachada, como mostrado no caso do Panama Papers. Então, se um investigador pergunta todos os nomes das autoridades públicas envolvidas, muitas vezes as companhias não conseguem entregá-los porque têm intermediários e companhias de fachada.

Não se sabe qual partido político recebe. Às vezes, há uma expectativa errada. Uma companhia não pode ir a um banco e forçá-lo a revelar contas de terceiros. Um investigador pode. As empresas fazem investigações, internamente, olhando emails e fazendo entrevistas. Mas não podemos forçá-los a nos dizer o que aconteceu.

A lavagem de dinheiro é um crime acessório sempre presente em casos de corrupção. O caso do Panama Papers levou a um acordo internacional da OCDE para sufocar essa rede de companhias de fachada pelo mundo. Qual sua avaliação deste combate?

Esse é um grande desafio. Tudo se resume à transparência no setor financeiro. Essa é uma agenda da OCDE há muito tempo. Quando olhamos para diferentes países, todos dizem que lutam contra a corrupção. Mas o que fazem para tornar os registros das empresas totalmente transparentes?

Ontem, descobri que em Miami, nos Estados Unidos, é possível abrir uma empresa com US$ 25 da noite para o dia de forma totalmente anônima. Então, muitos países se gabam de combater a corrupção mas é fácil abrir uma companhia de forma anônima. Isso acontece no Reino Unido e diversos outros países.

Nesse contexto, qual o maior desafio para funcionários dos departamentos de compliance ao redor do mundo?

Depende da situação em que a empresa se encontra. Na Siemens, estivemos em uma crise de vida em 2006 e 2007. Em situações assim é difícil e, ao mesmo tempo, fácil, porque para sobreviver como empresa é preciso mudar drasticamente. É um processo longo.

Não confie em empresas que, após seis meses de uma crise, alega ser uma nova companhia. Isso é totalmente impossível. O processo leva de 10 a 15 anos talvez. É preciso mudar a cultura administrativa porque tudo começa no topo. A gerência também é importante. Se você é um jovem funcionário da Siemens e seu chefe direto diz para ignorar esse guia de integridade, isso é uma cultura podre.

Qual a relevância de criar canais internos de denúncia?

Um bom sistema de compliance precisa de canais de denúncia, mas é bom que as pessoas também se aproximem diretamente. É preciso que elas confiem no sistema e acreditem vamos protegê-las e levar a sério suas alegações. O sistema de compliance também precisa estar muito próximo ao negócio. Se um compliance officer agir como um policial ninguém falará com ele.

Qual o limite para as investigações internas?

Somos totalmente responsáveis por todas as investigações internas. Tudo fica no departamento de compliance. É preciso conduzir as investigações de maneira justa, com o princípio da presunção de inocência. Senão ninguém iria querer trabalhar na Siemens.

Como conselheiro no BIAC da OCDE, o senhor acredita que a Lava Jato foi um divisor de águas na forma de fazer negócios no Brasil?

Se olharmos, os índices de percepção de corrupção estão aumentando. Eu digo: ‘as pessoas estão vendo mais corrupção’. A corrupção sempre esteve lá e, agora, está mais transparente. No Brasil, e isso é positivo, há uma cultura diferente de abertura e clareza.

As pessoas falam sobre a corrupção – e que não a querem mais na sociedade. É uma atmosfera diferente. É possível processar políticos de alto escalão, incluindo o presidente da República. Isso era impensável há 10 ou 15 anos.

Temos novos instrumentos, como as delações premiadas, que mudaram o cenário das investigações…

Instrumentos inovadores são necessários para finalizar os casos — e eles têm de terminar um dia. A investigação tem de ter descobertas e chegar a um final. Por isso, instrumentos inovadores são necessários. Na Siemens, se não se tratar de um diretor sênior, trabalhamos até com anistias. Dizemos: ‘se você quer confessar, fale conosco. Não podemos garantir que o juiz não sentenciará você. Mas, como empresa, podemos dar segurança, manter sua casa e não demiti-lo’. Essa medida foi bem-sucedida.

A Lava Jato pode ajudar a atrair mais investimentos ao país?

Os investimentos de companhias nos países devem ser muito profissionais ao avaliar o cenário anticorrupção local. Não é que se houver problemas não haverá investimentos, mas deve ser analisado como o país está lidando com o tema. Qual o melhor investimento do que em um país que está levando a sério esse combate e tentando construir uma infraestrutura para evitar a corrupção?

O que a Siemens aprendeu desde a eclosão do escândalo de corrupção de 2006?

Hoje somos uma companhia melhor. Isso é verdade porque a empresa se comprometeu realmente a iniciar uma mudança. Essa foi a maior diferença para outras companhias. Mudamos todo o conselho, a maioria dos gestores de nível sênior e estamos dispostos a sair de determinados negócios e mudar a abordagem no mercado.

Além disso, somos consistentes. Nunca fomos complacentes. Mas não somos perfeitos. E isso é muito importante: nunca direi que somos perfeitos e que não temos casos de corrupção. Isso é besteira. Mas admitimos que temos problemas e tomamos as medidas necessárias para resolvê-los. Espero que a sociedade veja isso como vantagem.

Estou chocado que companhias de análise e agências de rating dão alta pontuação quando não encontram nenhum caso de corrupção. Se a empresa tem casos de corrupção, jogam para baixo a pontuação. Eles acreditam nessas empresas que dizem não ter nenhum caso de corrupção? Até os mais renomados institutos de classificação de risco estão fazendo isso.https://www.jota.info/justica/nenhuma-empresa-livre-corrupcao-diretor-global-siemens-29032018

https://www.jota.info/justica/nenhuma-empresa-livre-corrupcao-diretor-global-siemens-29032018